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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

TRILOGIA DE SEPARAÇÕES FRUSTRADAS

1. ESPERANÇA
Esperança se separou quando poucos casais em sua cidade tinham a coragem de fazê-lo. Separou não, aliás, foi separada. De tanta certeza que o marido tinha de que ela nunca faria nada a respeito de suas infidelidades, um dia passou da conta. A filha e alguns vizinhos o viram agarrado a uma loura de short branco, dentro de um Puma sem capota, igualmente branco. Só restava à Esperança pedir o divórcio para recuperar a dignidade. Apesar de ele dizer que estava bêbado. Apesar da filha lhe culpar por ser tão séria e moralista. Era orgulhosa de que seus pecados confessados na missa das 11 de domingo se restringiam à sua preguiça pela manhã e a inveja de sua chefe, casada há 30 anos e aparentemente realizada. Crispa as mãos na altura do peito quando lhe bate qualquer desejo que lhe faça cócegas abaixo do umbigo . O marido (assim ainda o chama quando se refere a ele para estranhos) já havia casado duas vezes e estava para se separar de novo. Ele contava tudo, sempre, a ela, depois, tentando buscar sentido para aquela relação que sobrevivia apenas por conta da filha que amavam tanto. E a cada reclamação dele um tijolinho de felicidade reerguia dentro dela aquela ruína que já fora uma família. “Por isso nunca quis casar de novo, se não deu certo com você não daria certo com ninguém”. E ele, ignorando os óbvios duplos sentidos de todas as suas frases de consolo, discordava: “Não deu certo porque eu sou um idiota, você é uma mulher maravilhosa e devia tentar se apaixonar de novo”. Seguiu-se um beijo no rosto e o hasta la vista baby de sempre. Saiu, e como tem a chave, nunca precisou que ninguém o acompanhasse até a porta.
2. PIEDADE

Estava casada há 30 anos. Um dia acordou com a idéia de se separar do marido. A filha se casou, se separou, e agora estava morando com um brasileiro que era seu professor em Barcelona. É tão fácil para os jovens se separar, mas tão difícil para os velhos, pensou. Não mais para ela, que de súbito se sentia jovem de novo. Ainda tinha saudades da paixão, do sexo arfante, do coração disparado. Tudo aconteceu em menos de um mês. O marido pouco disse. Nem iria adiantar nada, ele sabia. Só argumentou que deveriam vender o apartamento em que moravam e a casinha em Lavras Novas para dividirem o dinheiro. Ela negou, disse que a casa na roça era a única coisa que ela queria. Iria alugar um quarto e sala na cidade e tudo ok, não precisaria mais que isso. Ele se prontificou a pagar seu aluguel já que ficaria com o imóvel que valia muito mais. Assim foi. Ela viajou horrores, bebeu, fumou, cheirou. Namorou jovens e velhos, se apaixonou, teve infecção urinária, teve o coração partido, esnobou cavalheiros. De vez em quando falava com o marido ao telefone, que lhe ligava em aniversários e réveillons e o encontrava em filas de cinema e shows. Tinham ou desenvolveram ao longo dos anos um gosto muito parecido para a arte. Quando fez 60, Piedade deu uma festa de arromba. Até a filha veio com o namorado de Barcelona. O ex foi, ficou menos de uma hora. Semanas depois Piedade foi visitá-lo. Parecia triste e doente. Depois de insistir muito, ela lhe arrancou a verdade. Depressão por conta de um câncer. Passava o dia todo deitado, estava aposentado por invalidez e terminou com a namorada para poupá-la do luto. Na semana seguinte Piedade muda de mala e cuia para sua antiga casa, também termina com seu namorado quinze anos mais moço e passa a tratar o ex, em vez de Roberto, por “meu amor”.
3. GRAÇA

A arquitetura em espelho do apartamento, projetado originalmente para um casal com dois filhos adolescentes, foi um grande argumento. Mas o mais provável é que ambas estivessem pensando a mesma coisa há tempos. A obra foi rápida: uma parede cortando ao meio sala, cozinha e área. Cansavam de repetir a amigos e visitas que não era nada demais, elas se viam apenas quando ambas queriam o contato e só, gostavam do bairro, do prédio, e metade do apartamento era suficiente para uma pessoa. No elevador não se limitavam a bomdias e boanoites. Quase 10 anos de convivência juntando amizade, namoro e casamento lhes permitiam ir além sem maiores arrependimentos. Trocavam receitas e ingredientes. Davam carona uma pra outra. Chegaram a sair juntas com suas novas companhias mas não deu muito certo. ”Foi demais para as pobres cabecinhas delas!”, riram muito depois. Uma era filha única e a outra filha bastarda de um bem sucedido empresário da construção civil. Depois de alguns anos passaram a se apresentar como irmãs e não tiveram mais problemas com ciúmes. Até que conheceram Graça. Se apaixonaram instantaneamente e violentamente por aquela ruiva de gestos contidos e sorriso mágico. Graça, depois de freqüentar os aposentos de ambas, ordenou que derrubassem aquela parede que lhe lembrava o muro de Berlim. Não foi atendida. No entanto, abriram uma porta na área de serviço, e deram-lhe, dentro de uma caixinha com um lacinho, a única chave, no dia de seu aniversário.

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